COMPETÊNCIAS NAS EMPRESAS

GESTÃO DO CONHECIMENTO COMO MODELO EMPRESARIAL


Nas últimas três décadas, as organizações brasileiras, tanto privadas como públicas, de forma crescente passaram a se conscientizar da importância da revisão dos seus modelos de gestão: no caso das empresas privadas, a motivação era a sua sobrevivência e competitividade no mercado; no caso das empresas públicas, tal motivação era a sua capacidade de cumprir sua missão, ou seja, atender com qualidade a prestação de serviços de interesse da sociedade.


Ao mesmo tempo, focando a realidade empresarial brasileira, constata-se que as organizações nacionais, tanto públicas como privadas, já desenvolvem esforços no sentido de recuperar o tempo perdido (de pelo menos duas décadas) que levou a um atraso em relação à situação mundial. No entanto, se há poucas empresas brasileiras consideradas de "classe mundial", já é possível avaliar a partir destas a aplicabilidade das novas práticas gerenciais que garantirão a sua sobrevivência num mercado cada vez mais globalizado e competitivo

Este contexto gerou um esforço, às vezes de forma frenética, de busca de novos modelos de gestão empresarial. De outro lado, à medida que novas idéias e práticas gerenciais surgiam, eram apresentadas, pelos seus proponentes (geralmente empresas de consultoria empresarial) como a solução dos desafios gerenciais e, eventualmente, recebidas pelo meio acadêmico e empresarial como "modismos". Assim, idéias e práticas novas, como Qualidade Total, Reengenharia, Gestão Participativa, Terceirização e Alianças Estratégicas, entre outras, precisaram contar com o tempo para ficar claro que as organizações adequam os seus modelos de gestão muito mais por um processo de evolução contínua do que por rompimento ou substituição dos conhecimentos gerenciais.

Neste sentido, para identificar e avaliar as características peculiares às novas práticas de gestão empresarial, hoje dispersas na literatura e nas pesquisas acadêmicas na área de Administração, é preciso analisá-las dentro do contexto histórico de sua evolução e de sua relação com o conjunto de outras práticas gerenciais.

O contexto histórico diz respeito ao fato de que as novas práticas de gestão empresarial, surgidas principalmente a partir dos anos 70, são decorrentes ou provocadas por mudanças macro-ambientais que tornaram obsoletas as práticas até anteriormente utilizadas. Ocorre, assim, uma quebra de paradigma que precisa ser avaliada do ponto de vista da evolução dos novos modos de se administrar uma organização.
PEREIRA (1995) desenvolveu um modelo de análise da evolução dos modelos de gestão que contempla três níveis conceituais:

a) o conceito de "Ondas de Transformação" (TOFFLER, 1980, p. 24): trata-se dos grandes momentos históricos de evolução da sociedade humana, cada qual com seus paradigmas próprios relacionados aos aspectos político, econômico, social, tecnológico e organizacional;

b) o conceito de "Eras Empresariais" (MARANALDO, 1989, p. 60): trata-se dos estágios de evolução empresarial, a partir da Revolução Industrial (Segunda Onda de Transformação), cada um com seus paradigmas gerenciais próprios;

c) o conceito de "Modelos de Gestão": trata-se do conjunto próprio de concepções filosóficas e idéias administrativas que operacionalizam as práticas gerenciais nas organizações

A Figura 1 ilustra esquematicamente o modelo do estudo, abrangendo os três níveis conceituais acima citados.

Figura 1: O modelo de estudo: quadro referencial de suporte

Segundo este modelo, dividiu-se o cenário histórico da evolução das abordagens da Administração em momentos. Inicialmente, as Grandes Ondas de Transformação, compreendendo três grandes períodos: a Revolução Agrícola (até 1750 D.C.), a Revolução Industrial (1750 a 1970) e a Revolução da Informação (após 1970). A Revolução Industrial foi dividida também em três períodos: 1ª Revolução Industrial (1820-1870); 2ª Revolução Industrial (1870-1950); 3ª Revolução Industrial, a partir de 1950.
Dentro destes períodos, foram analisadas as abordagens da Administração, segundo o seguinte esquema:

a) Durante a 2ª Revolução Industrial, inicia-se, em torno de 1920, a Era da Gestão Empresarial, a qual se divide em 4 períodos diferentes:
- Era da Produção em Massa (1920/49): ênfase na quantidade de produção e na padronização do processo (linha de montagem);
- Era da Eficiência (1950/69): ênfase no controle interno das operações (burocratização da gestão);
- Era da Qualidade (1970/89): ênfase na satisfação do cliente;
- Era da Competitividade (a partir de 1990): ênfase na busca da excelência empresarial (eficiência + eficácia), atendendo os interesses de clientes, colaboradores, comunidade e acionistas.
b) As duas primeiras Eras, Produção em Massa e Eficiência, correspondem às abordagens tradicionais da Administração, da Escola Clássica à Teoria da Contingência.

c) As duas últimas Eras (Qualidade e Competitividade) correspondem às Novas Abordagens da Administração, que são os seguintes:

- Administração Japonesa

- Administração Participativa

- Administração Empreendedora

- Administração Holística

- Corporação Virtual

Cada uma destas novas abordagens de Administração será analisada a partir dos seguintes aspectos:

a) Origem e evolução histórica (exceto as duas últimas abordagens, tendo em vista que são abordagens futuristas da Administração)
b) Filosofia central da abordagem.
c) Principais práticas gerenciais: Processo decisório; postura gerencial; estrutura organizacional; controles; sistemas de incentivos; técnicas e instrumentos gerenciais.
d) Aspectos críticos na aplicabilidade do modelo.
O modelo empreendedor de gestão não é o único a desenvolver instrumentos e práticas que estimulam a criatividade e a inovação na empresa; ao mesmo tempo, ele não exige exclusividade quanto à abordagem ou estilo de gestão. Dada a sua flexibilidade, facilmente se acopla ou complementa a outras novas abordagens da administração (modelo participativo ou holístico, por exemplo).
No entanto, o modelo empreendedor exige alguns cuidados na sua implantação. Por exemplo, a experiência em algumas grandes empresas americanas evidenciou que a abordagem do "intrapreneur" (PINCHOT III, 1989), atuando isoladamente, não é a mais adequada; deve-se incentivar a inovação, assim, através de equipes empreendedoras. Para tanto, desenvolver lideranças e implantar políticas transparentes de Recursos Humanos, visando estimular a inovação e recompensá-la, são condições fundamentais para o êxito do modelo

Nas últimas décadas, (res)surgiu dentro das ciências o chamado "movimento holístico". De origem grega, a palavra hólos = todo, vem crescentemente penetrando nas abordagens cada vez mas complexas de todos os ramos do conhecimento humano. A questão parece ser facilmente explicável; as ciências, de forma geral, foram construídas com base em paradigmas mecanicistas, suportados numa visão cartesiana-newtoniana do mundo: todos os fenômenos eram possíveis de serem divididos em partes e cada uma destas seria estudada profundamente, constituindo um ramo específico do saber humano; assim foi com a química e seus elementos individualizados; com a física e sua estrutura orientada para as partes do material; com a medicina, que "retalhou" o organismo humano, perdendo a visão do sistema biológico que comanda a vida humana; e, na administração, o mesmo processo ocorreu, a partir da visão da "administração científica" de Taylor e Fayol, reduzindo o trabalho humano ao nível da visão da tarefa.

CAPRA (1989) tem sido um dos maiores influenciadores da visão holística: ele mostra as grandes mutações pelas quais passa a sociedade - na tecnologia, na educação, na economia, na medicina, na psicologia, na ecologia, entre outras grandes áreas - e a mudança de valores que afetam aspectos como a individuação, a criatividade, a flexibilidade, a informação, a autonomia, entre outros valores, cuja mudança afeta tanto organizações como as pessoas. O autor procura explicar como o paradigma cartesiano-newtoniano afetou a prática econômica contemporânea: a fragmentação das especializações, a desvinculação dos valores superiores da humanidade, a abordagem competitiva na exploração da natureza, o esgotamento progressivo dos recursos naturais, o consenso de que a natureza existe para o homem, a visão do homem como um ente consumidor, o que levou a um consumo materialista desenfreado, a confusão entre riqueza material e felicidade, a tecnologia a serviço da destruição em massa e a venda de 70% de armamentos aos países do Terceiro Mundo, a divisão econômica norte-sul do mundo, a exploração indiscriminada das sociedades pela multinacionais, entre outras questões

Antônio Raimundo dos Santos
Fernando Flavio Pacheco
Heitor José Pereira
Paulo Bastos Junior